Dia 19 de abril é o Dia do Índio. Nesta data, completa dois anos o Decreto 5.051, que promulgou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada no Brasil após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional.
Assim como a Agenda 21 (ONU-Rio/1992), que possui um capítulo inteiro dedicado aos índios, a Convenção 169 da OIT trata-se de instrumento do direito internacional dos direitos humanos que representa verdadeiro marco na defesa dos direitos indígenas.
Como faz a Constituição de 1988, a Convenção 169 da OIT afirma o direito dos indígenas à alteridade, vale dizer, o direito dos índios de serem diferentes. Isso significa que aos índios são assegurados os mesmos direitos atribuídos a todos os cidadãos brasileiros, além de outros decorrentes de sua peculiar situação.
Por infortúnio, ainda não há muito a ser comemorado nesta data. Na verdade, há mais de 500 anos os índios vêm sendo espoliados, o que não raro ocorre com respaldo em decisões judiciais. A data é propícia à reflexão e, sobretudo, para o encontro de medidas necessárias à efetividade dos direitos consagrados aos índios.
Até o advento da Constituição de 1988, toda a legislação nacional editada sobre os índios tinha como referência situação de transitoriedade dos indígenas, como se o ideal e natural fosse a "evolução" dos índios para os moldes da cultura dos não índios, estabelecida pelo colonizador europeu.
Bem retrata essa concepção a disposição contida no artigo 4º do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), que considera os índios como isolados, em vias de integração ou integrados. Ou seja, à luz da norma citada, que não vigora mais por não se coadunar com a Constituição e com a Convenção 169-OIT, os índios eram tratados como fadados ao desaparecimento.
A Constituição de 88 reconheceu a multietnicidade, a pluralidade cultural do país e o direito dos índios de serem diferentes e tratados como tais. A Convenção 169-OIT, a Agenda 21 e a Constituição asseguram aos índios o direito à terra, cabendo lembrar que as terras são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos índios, já que eles se entendem parte dela.
Na interpretação e solução de questões ligadas aos índios, é sempre necessário ter em mente a lição de Leonardo Boff, constante da obra Ecologia, Mundialização, Espiritualidade (editora Ática, 1996), segundo o qual: "Tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e preexiste subsiste através de uma teia infindável de relações inclusivas. Tudo se acha em relação. Fora da relação nada existe".
Para a elaboração e execução de planos de governo, e na solução de conflitos levados ao Judiciário, é imperioso o respeito ao contido na Constituição em vigor, na Convenção 169 -OIT e nas orientações contidas na Agenda 21 (ONU-Rio/1992), de forma a dar efetividade às normas integradoras do sistema de proteção dos direitos humanos e, portanto, de proteção aos indígenas, eliminando-se injustiças verificadas, em auxílio ao alcance da paz social.
Que esse seja o norte de todos os planos de governo e a base de todas as decisões judiciais, de forma a que os próximos dias 19 de abril realmente sejam datas para celebração do fim do massacre da cultura dos índios e da desagregação das comunidades indígenas, e consagração da sintonia de todos os brasileiros com o sentimento universal de respeito das minorias étnicas.
*por Roberto Lemos dos Santos Filho
Revista Consultor Jurídico, 19 de abril de 2006
Sobre o autor: Roberto Lemos dos Santos Filho: é mestre em Direito Universidade pela Católica de Santos-SP e juiz Federal Titular da 1ª Vara Bauru-SP.
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